29 agosto 2007

Petróleo por comida

Por meio de um amigo que mora em Chicago, conheço uma feira de alimentos promovida na cidade. Green City Market, chama-se. Entrei no site (uma feira com site, trés chic!) e comecei a babar. A produção é sustentável e/ou orgânica e vem das redondezas, então você economiza gases-estufa do transporte e aproxima-se de quem planta sua comida. Os organizadores patrocinam projetos de educação e há sempre um chef para dar aulas e dividir receitas com quem aparece por lá.

Navegando, maravilhada, dou uma olhada nos patrocinadores.

O primeiro é BP America - British Petroleum America para os menos íntimos, uma das maiores petrolíferas do mundo.

...

O petróleo é um dos principais combustíveis fósseis que, queimados, enchem a atmosfera com CO2, agravando o efeito estufa.

A BP tenta, desde 2000, grudar uma imagem de ambientalmente responsável na mente dos consumidores: a identidade visual é toda verdinha e a empresa adotou o slogan "Beyond Petroleum" (além do petróleo). Mas tem falhado horrivelmente.

O jornal Chicago Tribune publicou, neste ano, a denúncia de que a BP recebeu aval estadual para poluir ainda mais os Grandes Lagos com amônia e resíduos sólidos. A empresa responde por um vazamento de 1 milhão de litros de petróleo no Alasca, ocorrido no ano passado. Grupos ambientalistas dizem estar preocupados com a segurança em outros pontos de exploração pelo planeta.

Claro que todo mundo tem direito a uma segunda chance, inclusive a BP. Mas que a feirinha "sustentável" tem cheiro a greenwash, isso tem.

Atualização de maio de 2009: a BP não é mais patrocinadora da feirinha. Ou caiu a ficha dos orgânicos de que era uma imensa contradição ou a BP achou que não valia a pena gastar um cent sequer com esse povinho convertido da ecologia...

28 agosto 2007

Um buraco na consciência

Hoje a Organização Meteorológica Mundial (WMO) anunciou que o buraco na camada de ozônio (lembra dele?) apareceu mais cedo e pode ser maior do que o registrado em 2006. Há dois anos, houve relatos de que estava enfim diminuindo. Mas ele continua lá, firme e forte.


Por enquanto, o buraco na camada de ozônio só sumiu mesmo do noticiário e da mente das pessoas.

Essa foi a primeira grande crise ambiental que mobilizou a humanidade. Quando ficou provado que os CFCs, gases usados em sprays de cabelo, geladeiras e em diversos processos industriais e agrícolas, atacam a capa de ozônio que nos protege dos raios ultravioleta, houve um levante para que seu uso fosse suspenso. O medo da radiação assombrava as pessoas.

Claro, houve gritaria de países desenvolvidos, que não queriam abrir mão dos CFCs, e do Terceiro Mundo, que dizia não ter dinheiro para agir. Tudo dentro do script: quando a Convenção de Montreal determinou a extinção dos CFCs, os países ricos já tinham desenvolvido tecnologias de substituição e os pobres tinham ajuda assegurada.

O problema do ozônio é emblemático em visões diametralmente opostas. É otimista ao lembrar que os países - quando querem - conseguem resolver suas diferenças e agir para resguardar o planeta. É pessimista ao saber que o tema pode facilmente cair no ostracismo.

Para agirmos contra o aquecimento global, problema urgente e ainda mais complexo, que exige comprometimento e estratégias de longuíssimo prazo, uma visão precisa da outra para sobreviver. Eu sou otimista.

O azul acima representa o buraco na camada de ozônio medido em 25 de agosto de 2007. O crédito da imagem é da Nasa; o crédito pelo problema é nosso

27 agosto 2007

Os olhos dos outros

Tento aliviar, dia a dia, minha pegada ecológica, ou seja, o impacto da minha existência na natureza. Por exemplo: comprei um carro flex fuel, com o motor mais eficiente que achei na minha faixa de gasto. Só uso etanol, mesmo quando compensa financeiramente abastecer com gasolina. E, quando posso, deixo o carro parado. (O ideal seria não comprar carro nenhum e só andar de bicicleta ou a pé. É, pois é. Ainda não dá.)

Agora estou tentando reduzir a quantidade de plástico na minha vida. Quero começar com as sacolinhas. Fui à feira com minha própria sacola. Nas lojas, dispenso a bendita sempre que é possível colocar a compra na bolsa ou levar na mão.

Foi quando descobri que a resistência maior está nos olhos de quem vê.

Cena: noite, frio, no supermercado. Compradora aparece com uma garrafa de vinho numa mão e um saco de areia para gatos na outra. Ela troca boas-noites com a caixa e paga com o cartão bancário. Está guardando a carteira quando percebe que a caixa está colocando suas compras em sacolas. Duas para cada produto.

A compradora fala:
- Hã, moça, 'brigada, mas dispenso a sacolinha.
A caixa continua em seu movimento automático.
A compradora fala mais alto e firme:
- Moça, eu não quero a sacolinha.
A caixa levanta o rosto, sorri e diz:
- Eu não escutei. Desculpe, senhora, o quê?
- Eu não quero a sacola de plástico.
- Mas ela vai junto.
- Eu não quero. Polui demais e não preciso.
- Mas como a senhora vai...?
- Na mão.
- Mas, senhora... Como, senhora?... Digo...
A caixa continua segurando as compras, desconcertada. A compradora dá um grande suspiro, puxa as sacolinhas das mãos estáticas da outra, tira o vinho e o saco de areia e vai embora, equilibrando os dois nos braços. Os olhos da caixa a acompanham até o horizonte.

E, veja, eu nem pedi meu dinheiro de volta por pagar pelas sacolinhas sem as usar...

23 agosto 2007

Passando o chapéu

A BirdLife International, uma parceria de organizações conservacionistas de diferentes partes do mundo, lançou hoje uma campanha de coleta de fundos para salvar 189 espécies de aves que podem sumir logo do planeta.


Para começar a brincadeira, o povo selecionou 17 bichos. Entre eles está o brasileirinho formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis), que vive nas restingas de Maçambaba, uma faixa estreita e curta no litoral fluminense, onde fica os municípios de Araruama, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia e Saquarema. Uma vez que a mata atlântica é o bioma mais arrebentado do País, nada mais óbvio que as espécies que só vivem ali (chamadas endêmicas) sigam o mesmo caminho.

Segundo a BirdLife, essas aves foram escolhidas pois, além de precisarem de ajuda urgente para sobreviverem, existem pessoas aptas para fazê-lo. Falta o dinheiro, diz o grupo.

Pois minha dúvida é a seguinte: será que as pessoas - você, eu, seu marido, sua avó - estamos prontas para abrir a carteira e dar, digamos, R$ 50 para salvar esse passarinho aí em cima, pequenininho e nada chamativo, que vive num trechinho de 40 km e parece estar com um cruel destino traçado a despeito da minha contribuição?

Crédito: SAVE/Pingo D'Água

Mas... 2ª parte

O IPCC havia acabado de divulgar seu capítulo sobre a economia do clima, o que cada empresa-governo pode-deve fazer. Basicamente a mensagem era "corra ou o bicho vai pegar".

Aí recebo o seguinte release: "Dia 24 deste mês, terça-feira, a APOLO (Associação das Indústrias do Pólo Petroquímico do Grande ABC) lança um concurso para estimular a pesquisa nas escolas públicas do entorno das empresas, sobre o meio ambiente."

Educação ambiental, muito bem. Vejamos até que ponto vai o comprometimento.

Mando um email para a assessoria. "Além disso, há algum projeto de redução das emissões de gases-estufa?"

...

Não, né?

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O Pólo Petroquímico do ABC é formado por dez grandes empresas, como você pode checar em http://www.poloabc.com.br/.

Mas...

Recebo um relatório lindo, publicado em papel couché com verniz na capa, sobre como a Rolls-Royce tem trabalhado para deixar o planeta tão bonito quanto seus carros e aviões. Lá pelas tantas, diz que sua equipe estuda novas formas de energia: trocar o oil (petróleo) pelo coal (carvão).

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É tudo combustível fóssil.

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Queimados, os dois produzem CO2.

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(Cadê a tal economia do hidrogênio que me prometeram?)